A tecnocracia real em acção no concreto é uma purificação do ideário tecnocrático que lhe revela os elementos substantivos e compõe o «tipo ideal». É um retrato abstracto que figura o tecnocrata puro animado por uma espécie de panteísmo científico que põe o saber positivo no lugar do divino spinozista. É uma descritiva de traça weberiana que permite comparar a tecnocracia desejada com a tecnocracia realizada.
É a tecnocracia plenificada dos escritos comteanos em cotejo com a tecnocracia constrangida das sociedades: da herança comteana a tecnocracia recebeu o núcleo duro, que é monolítico e cientificista mas não o pode praticar nas culturas pluralistas de que é filha.
Em todo o caso, a tecnocracia vai-se afirmando no ocaso das ideologias e na intrusão cada vez mais intensa dos símbolos de uma cultura materialista e empirista.
A tecnocracia resgatou a substância da utopia positivista e adaptou-a às circunstâncias móveis das sociedades do século XX sem lograr aproximar-se da hegemonia social, cultural e política prevista do ideal comteano. Na versão capitalista a tecnocracia tem que conviver com o pluralismo e na versão socialista teve que sujeitar-se aos ditames do partido comunista formalmente entrincheirado no marxismo-leninismo.
Neste sentido, o discurso do positivismo e das suas expressões gerencialistas encerram os mitos fundadores do imaginário tecnocrático que na linguagem sainsimoniana se projectam na substituição do «governo dos homens» pela «administração das coisas» e no pensamento comteano se polarizam num «governo de sociólogos».
Dentro da matriz positivista o contributo central para a pertence às reflexões comteanas que seguiram Condorcet na visão
que emerge nos seus escritos como uma necessidade histórica destinada a eliminar a metafísica dominante e a substitui-la definitivamente na construção do modelo político das sociedades industriais e na definição das responsabilidades de gestão na economia, na ciência e na religião.
onde os sábios da sociologia serão os estrategos e os coodenadores da acção governativa que buscará alcançar os objectivos que a novel ciência das sociedades traçou. O contributo central das reflexões comteanas para a construção do ideário tecnocrático foi antecedido pelas intuições do seu mestre a quem se devem os primeiros alicerces do discurso fundador construídos em torno da ideia
Com efeito, o discurso fundacional da tecnocracia iniciou-se no pensamento de S.Simon e foi o discípulo, A. Comte, quem teorizou sistematicamente a ideia de uma política baseada na ciência com relevo especial para os saberes sociológicos que teriam competência para definir e coordenar os objectivos das sociedades industriais. O peso de Platão na construção do ideário tecnocrático é incomparavelmente menor e não vai além do facto do «governo de sábios» ter sido desenhado como um centro monolítico de decisão encarregado de aplicar os princípios coerentes com a sua filosofia das ideias. A anexação do espiritualismo platónico ao património genético da tecnocracia tem a aparência de um paradoxo e, por esta via, pode sugerir a existência de concordâncias significativas com o positivismo de Comte que constitui a referência teórica central dos que concebem o poder ideal como um exclusivo de tecnocientistas mas nada é mais distante da ontologia e da epistemologia platónicas do que a redução popsitivista do ser a uma estrutura de regularidades fenoménicas empiracamente observáveis.
Valter Guerreiro, 2008
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