quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Os Delírios da Paixão

És absolutamente transcendente, única e fabulosa
Ninguém é como tu, jamais alguém o foi ou o será
Nem és deste mundo de tão etérea, de tão formosa
Seres no meu peito, e no meu leito, e naquela rosa
Que não está ali, nunca lá esteve e nunca estará

Mas que eu invento no Olimpo do teu corpo
Onde há as flores e os mundos que eu quiser
E os mares, os ares e as fronteiras se dissipam
Porque tu mais do que deusa, és a mulher
Em que eu viajo até aos lugares onde ficam
Os crepúsculos e os poentes que eu souber

Imaginar nos silêncios que te levam p`ra tão longe
E me levam p`ra tão perto do melhor que sei amar
Levando-me p`ra tão longe, pr`a tão lá do horizonte
Que nos crepúsculos há luz e nos poentes há mar

De sereias, de duendes, de bacos e querubins
Que vêm em caravelas e trazem sacos de estrelas
P`ra incendiar o teu ventre entre plátanos e jasmins
Em que me queimo e perfumo, me deito e nunca durmo
Porque ao que vou é tão grande e tanto colho de ti
Que no regresso nem sei quem era quando parti

Eu regresso em granito e em nenúfares me deito
De nenúfares sou feito e de granito me couraço
Quando te abraço, no feminino, no masculino….
E te beijo como homem, como menino……
E em ti me sento….
Como complemento, como suplemento….
Porque te invento…
A partir de mim…
Tu não existes, eu sou assim…..

Valter Guerreiro, 2008

Contrastes

Crepúsculos suaves, sóis em fogueiras
Putas debutantes e velhas rameiras
Desertos com sede, prados vicejantes
Uns cheios de medo, outros arrogantes
Há mares de esperma e fósseis de cio
Onde a vida corre
E onde a vida morre, havia um rio.

E eu viajante de estradas sem fim
Pergunto às estrelas se sabem de mim
Que de mim eu não sei, perdido que estou
Nas dobras do mundo, nos contrastes de fundo
Não sei p`ra onde vou
Nem o que é este mundo

Riqueza opulenta, pobreza ao relento
Escritórios robóticos, searas ao vento
Vígaros sem tempo, honestos falidos
Vozes de trovão e frágeis balidos
De gente no trono, de gente humilhada
Onde a vida corre
E onde a vida morre, há gente sem nada

E eu andarilho de ideias sem fim
Pergunto às estrelas que será de mim
Que de mim eu não sei, confuso que estou
Nos dobras de fundo, nos contrastes do mundo
Não sei quem eu sou
Nem o que vai no fundo

E neste corrimento louco e galopante
Gelado, geleia, excretório do que vi
Ganhei e perdi tudo num instante
Mulher, família, mobília e amante
E nem uma flor eu deixei em ti

Valterv Guerreiro, 2008

Mãe é noite de Natal na Infante Santo

Dezembro, uma lágrima e uma avenida
É a lágrima dos dezembros, a da saudade
Que desceu comigo a noite áspera que nascia
E serena, companheira e comovida
Ia,
Como se fosses tu
E na avenida tu descesses a meu lado

E a lágrima eras tu, água antiga cansada do cansaço
De te buscar no meu corpo como se nele houvesse
Força mágica e tão forte que dos deuses te libertasse
E por gostar de mim na lágrima dezembrina te trouxesse

E ficaste,
E vazio, do vazio de sempre a lágrima na bruma apaguei
E do nada por dizer do tanto p`ra ser dito encrespei
E quis o céu, e voei

Na gaivota hasteada pelo vento e fugida às tormentas do mar
Lá fui eu
Pedindo que me levasse ao céu, aos anjos p`ra te roubar
Mas eles quiseram-te para além da minha mágoa
E nada que fosse da terra os demoveu


E a gaivota grácil eras tu cansada do cansaço de tantos voos
Tanto perder…
Chamada a levitar o meu corpo como se ele pudesse
Subir num milagre até aos deuses para te haver
E deles, à socapa, na gaivota te trouxesse

E mais uma vez não vieste
E vazio, do vazio de sempre a gaivota na bruma esvaneci
E do nada por fazer e do nada p`ra ser feito ainda quis
E quis-te a ti

E à janela d`outros dezembros onde estiveste
Estás agora,
Mexes o xerém, guisas o litão, e tudo o resto
São as pequenas-grandes coisas que me fizeram
Porque as fizeste…
É noite de natal, chegou a hora…

E comunguei
Na lágrima apagada
E cavalguei
Na gaivota esvanecida
Em direcção ao nada
Em direcção à vida…

Fui descendo, já sozinho, de mansinho, p`ra não me acordar
E no sopé da noite a noite amanheceu e a bruma fez-se em ti
E tu, devagar, devagarinho, mansamente p`ra eu descansar
Beijas-te-me p`ra amansar a dor que dói de não estares aqui

E acordei,
O Dipsi lambia-se
O Shrek cabeceava
A Fiona derretia-se
A Kiwi meninava

E do fundo do sonho que te chama
E na chama que sobeja do sonhar
Mãe eu te amo, mãe eu te canto
É dia de natal na minha cama
Foi noite de natal na Infante Santo

São tão queridos os meus gatos
É tão bela a minha casa
São tão minhas as minhas filhas
És tão mãe todos os dias
E é tão vazio o vazio….
Feliz natal mãe nunca mais
Ufa, que frio!

Valter Guerreiro, 2008

O Simplex

ESTOU PERPLEXO POR REFLEXO DO MEU SER COMPLEXO
SE ASSIM NÃO FOSSE, UMA FLOR SERIA UMA FLOR
MAS A MINHA COMPLEXIDADE
REFLEXO DA MINHA PERPLEXIDADE
FAZ-ME FAZER DE UMA FLOR O AMOR
E NO AMOR ESCREVER ETERNIDADE

NESTE COMPLEXO, REFLEXO E PERPLEXO DESVARIO,
AS COISAS NÃO SÃO O QUE SÃO, SÃO O DESEJO
DE UMA LÁGRIMA SER UM RIO E O MAR ADAMASTOR
E QUANDO UM BEIJO É SÓ UM BEIJO E A DOR É SÓ A DOR
O REFLEXO PERPLEXO DO SER COMPLEXO ´JÁ É SIMPLEX
NUM MANGA DE ALPACA, NUM TECNOCRATA, QUIÇÁ NUM DOUTOR

SE EU ASSIM FOSSE SERIA UM SIMPLEX
E A LUZ DAS ESTRELAS VULGAR COMBUSTÃO
E NADA ME DEIXARIA PERPLEXO
E O MUNDO SERIA CURTEX
COMO UM CRÂNEO QUE COUBESSE
NA PALMA DA MINHA MÃO

E NEM A TUA ALMA SERIA ALMA OU ALMA TUA
E O MAR SERIA ESPUMA DA RUDEZA DO TEMPO
E TU SERIAS UM CORPO SEM DIREITO À LUA
E O MAR UM VAI -VEM NA FORÇA DO VENTO

MAS ATÉ LÁ EU INSISTO EM RESISTIR
AO IMPULSO DE DESISTIR DE TE PENSAR
IDEIA, MEMÓRIA, MULHER, LUGAR
ONDE EU E OS MEUS SONHOS POSSAM IR
SEM TOSTÃO, SEM TELEVISÃO, E A BRINCAR
AO MUNDO QUE NÃO HÁ, NEM ESTÁ PRÀ VIR

E SE VIER,
VIRÁ A SORTE
QUE A EUROPA OS LEVE, QUE VÁ COM ELES
QUE VÁ A MORTE
E QUE LEVE TAMBÉM A ECONOMIA
E ME DEIXEM UM QUINTALZINHO
PR`A PLANTAR AS SEMENTES
E COLHER OS REBENTOS DA MINHA POESIA
QUE FALA DAS PIRAS, DAS PIRANHAS E DO PIREX
QUE SERÁ UMA MERDA, NUNCA UM SIMPLEX

Valter Guerreiro, 2008